Comprar livros, isso é uma arte. Escorregar lentamente os olhos sobre volumes esparramados em estantes. Um flerte malandro quando os encontramos, de repente, mesmo sem que jamais tenhamos sabido nada deles. As livrarias de Paris, especialmente os sebos, são assim. As pessoas que exercem o ofício de vender livros não praticam atos de comércio, simplesmente. Mais, muito mais do que isso, aproximam pessoas e livros, relacionando umas e outros. Nelas encontro/encontrei tipos realmente encantadores. Como o Michel, que trabalhou muitos anos na Tiers Mythe, na rue Cujas. Um dia, anos 1980, lá entrei e lhe disse: "Bonjour, monsieur. Je cherche un livre". "Que livro você procura?", perguntou-me, em português sem sotaque! Michel falava várias línguas.
Era um iraniano exilado, marxista. Escrevo no passado porque o perdi de vista depois que, há mais de quinze anos, ele deixou a livraria e se meteu no ramo da informática. Tipos encantadores, como um sujeito que trabalhava na LGDJ e uma tarde, quando eu saía da livraria, alertou-me dizendo "não esqueça sua mulher aqui". Tania tomou-se de antipatia por ele. A La Memóire du Droit, na rue Malebranche, de Philippe Roulin, meu velho e bom amigo há mais de vinte anos. A Malebranche é exatamente a continuação da rue Fossés-Saint-Jacques, após a rue Saint-Jacques. A La Mémoire du Droit mudou para a mesma rua, uma quadra abaixo, mas com outro nome de rua... Nada do que foi será, mas é! Antigamente eu comprava livros jurídicos esgotados na Joly, esquina da rue Cujas com a Victor Cousin, mas o tempo a levou.
Na praça da Sorbonne, a J. Vrin, onde completei minha hegeliana e encontrei o que procurava de Abelardo. No boulevard Saint-Michel, esquina da praça, a antiga PUF, hoje transformada em loja de modas. Parece maldade. As livrarias foram substituídas por lojas de roupas femininas. Assim foi com a Le Divan, na esquina da rue Bonaparte com a rue de l'Abayee, que esteve lá desde 1921, mas se foi. Lá estava, em frente ao pequeno jardim da igreja, no coração do quartier, face a face com o apartamento de Sartre. Ainda bem que a L'Ecume des Pages resiste, no boulevard Saint Germain, colada ao Cafe de Flore. Na rue Gozlin, a Librairie Paul James.
Há alguns anos vi de longe, lá, um incunábulo - Hore intemerate Virgines Marie secundum usum Romanorum - à venda pela bagatela de 75.000 euros... Livros por esse preço não são para o meu bico. Mas encontrei outros, preciosos, na Jean Touzot, rue Saint-Sulpice, em frente a uma das portas de serviço da igreja, e na feira literária da Place Saint-Sulpice. Tenho muito a contar sobre elas, mais do que o espaço dos meus artiguinhos quinzenais me permite. Mas voltarei a elas, prometo, no futuro.